AOS PÉS DE SOFIA
É sempre a mesma coisa, assim que chega o calor. Começo a andar com os olhos mais virados para o chão do que o habitual: estou a olhar para os pés das mulheres, que começam a descobrir-se depois do confinamento invernal. Olhando para as extremidades inferiores femininas, e sem me aperceber, penso em como será esta mulher intimamente. É como se a despisse de baixo para cima, para depois tirar conclusões que nem sequer são claras para mim. Nunca tenho a impressão de conhecer uma mulher em profundidade se não tiver podido estuda os seus pés com astúcia.
E era isso que me perturbava em Sofia, a nova colega de trabalho que chegou à nossa empresa numa tarde de primavera. Era encantadora, loira e tinha um olhar inocente. Não demorou muito para nos darmos bem e, uma semana depois de nos conhecermos, era raro não irmos tomar café ou almoçar juntos depois de cada dia de trabalho.
Era um fascínio mútuo. Passámos horas a conversar e, em menos de quinze dias, ele contou-me tudo sobre a sua jovem vida. Por acaso, eu estava igualmente confiante, abrindo o meu coração como nunca antes. Tudo parecia perfeito, e estava a conduzir a um romance feliz ou a uma dessas amizades que se observam muito ocasionalmente entre homens e mulheres. No entanto, havia algo que me perturbava profundamente.
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Demorei algum tempo a perceber o que se passava, até que num dia quente de novembro soube: desde que a conheci, nunca tinha visto os seus pés.
Por esta altura, já me tinha habituado a chafurdar, como faço todos os anos, na observação inconsciente dos membros inferiores de todas as mulheres que existem.
Mas não era esse o caso de Sofia. Nunca a tinha visto sem botas fechadas, ou sapatos escuros finos, ou sapatilhas sofisticadas. Mas nunca com os seus pés descobertos. No início, desvalorizei-o. Ainda assim, imaginei-os de acordo com o seu corpo magro. Teriam uns dedinhos finos, com unhas bem cuidadas e saltos aveludados. Mas a questão não resolvida continuava na minha cabeça: o que fazer? A nossa relação estava a amadurecer, e nos seus olhos cor de mel eu parecia sentir que ela esperava mais de mim do que conversa de café e companhia agradável. Mas era-me quase impossível pensar em fazer dela minha companheira sem primeiro desvendar aquele último mistério: os seus pés.
Tudo se concretizou no início de dezembro, quando, depois de uma pausa para o café no escritório, fomos dar um passeio no parque.
A conversa decorreu sem problemas, embora ela estivesse tensa, como se não conseguisse dizer-me nada. Finalmente, conseguiu ir direta ao assunto: disse-me que estava apaixonada por mim.
Um fim nos pés
O primeiro impulso que senti foi o de a beijar apaixonadamente. Mas algo me estava a impedir. Eu sabia o que era, mas recusava-me a aceitar. Finalmente, não me contive: com a visão turva, baixei-me e, para seu espanto, praticamente arranquei-lhe os sapatos. Ficou ali descalça e estupefacta, olhando para mim sem compreender, exibindo involuntariamente os seus membros delicados, que eram exatamente como eu os tinha imaginado. Eu fiquei de joelhos, a olhar para os seus membros inferiores, com os olhos desvairados e a mente bloqueada. Após alguns segundos eternos, ela pegou nos sapatos e fugiu. Nunca mais a vi.
No dia seguinte, um telegrama frio informava-nos de que já não iria trabalhar connosco. E fiquei a saber que, num telefonema, disse ao nosso chefe que não queria ter colegas perturbados.
Talvez tenha perdido a mulher da minha vida, não sei. Agora estou a fazer terapia e o meu analista acha que não é grave. Mas acho que não percebe, nem a Sofia. Continuo a olhar para os pés das mulheres como se não fosse nada.