NOITES DE BEBIDAS E BORDÉIS NA BUENOS AIRES DE 1810
O título é sugestivo, mas é mais interessante conhecer uma faceta desconhecida da vida desses homens que chegaram até nós como estátuas de bronze ou figuras carrancudas. Na realidade, e como não podia deixar de ser, eles dispersavam e brincavam com o seu espírito carnal em noites de fandango, verbena e conversas boémias acompanhadas de álcool e amor de aluguer.
CAFÉ PORTEÑO LOUNGE
O Café de Los Catalanes, situado na esquina das actuais ruas San Martín e Perón, apesar do que o seu nome indica, os seus proprietários não eram dessa nacionalidade, mas italianos da Ligúria, de uma propriedade vizinha de Domingo Belgrano y Peri, pai do general Manuel Belgrano. Era o café frequentado pelos irmãos Belgrano, mas também, nos agitados dias de maio, se reuniam ali aqueles que eram decididamente contra a continuação do "vice-reinado", e por isso este grupo ficou conhecido como os "antivirreinales". (Mariano Moreno, Juan José Castelli, Nicolás Rodríguez Peña e o próprio Manuel Belgrano, etc.).
CAFÉ DE MARCO
No Café de Marcos, situado a poucos metros do Cabildo, na esquina das actuais ruas Alsina e Bolívar, além de oferecer café e comida, tinha mesas de bilhar. Ali se reuniam os partidários de Fernado VII, também chamados "fernandinos", em oposição aos "josefinos", espanhóis que apoiavam o rei francês José, irmão de Bonaparte.
Ambos eram cafés elegantes com uma vida social oficial. Era habitual e socialmente aceitável que um cavalheiro entrasse na carruagem à porta do café, já tarde da noite, sem a presença de senhoras ou damas de sociedade - as "outras" não apareciam nestes salões -, com uns copos a mais e com má pontaria nos pés, que naturalmente o cocheiro lá estava para "corrigir". Normalmente, quando o cavalheiro era um "caído em combate", o amigo pagava antecipadamente a viagem de regresso a casa, indicando ao cocheiro o destino e as precauções a tomar, sendo que este último conhecia perfeitamente o "dossier" do passageiro.
LA PERICHONA E SANTIAGO DE LINIERS
Na Posada de los Tres Reyes, a noite terminou com cânticos, bebidas à vontade e um jogo de cartas.
Os homens, com algumas bebidas alcoólicas na mão, dirigiam-se muito discretamente para a "rua do pecado", na zona do atual edifício do Ministério das Obras Públicas da Nação. O bordel que funcionava nessa rua era uma sensação, com as "ingesitas", prostitutas que se tornaram famosas e que tinham chegado na fragata Lady Shore.
A história de como estas senhoras vieram alegrar a vida dos homens desta cidade perdida do Sul teve origem quando, em 1797, o rei Jorge III de Inglaterra decretou o banimento de sessenta mulheres acusadas de prostituição em Londres, a fim de "restaurar a moral da cidade". A ordem era que essas mulheres perseguidas fossem enviadas para a lixeira humana da Inglaterra, ou seja, a Austrália, terra dos prisioneiros e de todos os seres desprezíveis, e que, uma vez lá, fossem libertadas à sua sorte.
O que o rei do Blonde Albion não imaginava era o que diz o ditado crioulo: "um par de cabelos de c.... puxa mais do que uma junta de bois", e as donzelas conseguiram convencer a tripulação do navio a desviar a sua rota, o que aconteceu, incluindo a cabeça dura do capitão que as atirou borda fora. Desembarcaram primeiro em Montevideu e, informadas das "possibilidades de trabalho na zona", dirigiram-se para Buenos Aires, instalando-se com êxito na chamada Calle del Pecado, em frente a uma propriedade de Miguel de Azcuénaga. O meu amigo Juan Carlos Serqueiros, escreveu um belo artigo, "Doña Clara, puta en Londres, Dama en Buenos Aires", referindo-se a Doña Clara, uma das inlgesitas, recomendo-o a si no blogue do autor "Esa Vieja Cultura Frita".
Esta promiscuidade anti-higiénica teve consequências graves. O contágio da sífilis, que na altura era uma doença incurável, devido ao facto de ainda não existirem antibióticos, que só foram aplicados na medicina durante a Segunda Guerra Mundial, e de o tratamento da sífilis ser apenas local, com curas de permanganato de mercúrio.
Uma noite pode ser a condenação a viver com a cruz de um vício sifilítico.
Por isso, dizia-se que "uma noite com Vénus pode condená-lo a viver toda a sua vida com Mercúrio".
Os homens da alta sociedade possuíam apartamentos de solteiro, como era o caso de Manuel Belgrano no bairro de Monserrat, de acordo com uma carta escrita em 1809 pela sua amante María Josefa Ezcurra à sua irmã Encarnación Ezcurra de Rosas, dizendo-lhe que tinha conhecido a "casinha de Manuel", documento que foi encontrado pela historiadora Lucía Galvez.
Como vêem, meus amigos, não se tratava apenas de fazer a Pátria...
Vejo-o na próxima semana.