Lo de Hansen, um mítico bar de Palermo onde o tango foi proibido
Restaurante Hansen'sfoi o local de diversão nocturna mais famoso de Buenos Aires desde a última década do século XIX até 1903. Foi um ponto de referência para a atuação de toda uma geração de músicos e os melhores dançarinos de tango da época frequentavam-no. Estava localizado no coração do Parque Tres de Febrero, no bairro de Palermo, com entrada pela Avenida Sarmiento, entre a linha férrea e a Avenida Vieytes.
Eram terras públicas e ali, em 1869, a Municipalidade de Buenos Aires tinha construído um belo miradouro que albergava um restaurante nas terras que tinham pertencido a Juan Manuel de Rosas, com a ideia de o alugar a particulares. Chamava-se "Restorán Palermo" e o seu desenho reproduzia o dos grandes restaurantes ao ar livre que estavam na moda na Europa naquela época.
Este restaurante foi explorado com sucesso variável por diferentes concessionários, até que em 1875 apareceu um alemão nascido em Hamburgo chamado Johan Hansen, que, como novo consignatário, deu um novo selo ao restaurante, de modo que a partir de então ninguém falava do Restaurante Palermo, mas referia-se a ele como "Restaurante Palermo".Sobre a Hansen"
A realidade é que "sobre Hansen"Não era apenas um restaurante: mostrando um luxo nunca antes visto num restaurante, era uma mistura de "bordel sumptuoso e Meca do Tango", para além de um restaurante. Um antecedente não muito santo dos "cabarés" que se seguiram para iluminar as noites de Buenos Aires.
Era um ponto de encontro de "bacanes" e "malandras", de "patoteros" e "malandras", de "patoteros" e "gente de avería". De dançarinos e "cafishios", que se misturavam despudoradamente com representantes da aristocracia snobe, que deliravam ao viver aquelas noites excitantes oferecidas em "Lo de Hansen". Porque ali podiam ver dançar bem o tango, ali podiam ouvir as melhores orquestras "típicas" da época, desfrutar da agradabilíssima companhia de belas "coperas" que lhes faziam sentir que eram o que nunca poderiam ser e esquecer, mesmo que fosse só por uma noite, uma vida triste e aborrecida.
Mas o essencial é que havia ação. Porque as lutas de punhos ou de facas eram comuns e frequentes. Os desafios, os olhares sujos, o "aperto" de um homem sem noção que se atrevia a convidar a "mina" do pardo Bazán para dançar, ou a luta entre mulheres que desejavam o mesmo homem, eram o tempero dessas noites excitantes, que atraíam um público heterogéneo que enchia a lotação do recinto, sabendo que era possível ficar longe desse mundo e que, enquanto se dançavam uns belos tangos, se podia desfrutar de excelentes bebidas e de um serviço gastronómico de primeira classe.
O "Lo de Hansen" tornou-se moda e as figuras mais brilhantes do mundo do espetáculo, das artes, da música e da política frequentavam-no. Ali actuaram as orquestras de tango mais famosas da história da nossa música popular, assim como os melhores cantores e compositores. Ali dançou "el Cachafaz" e até algum presidente argentino se atreveu a "cortes" na sua pista de dança. Durante esses anos, não houve visitante ilustre que não se sentisse tentado a conhecer o que se falava nos salões mais mundanos da Europa. Uma noite visitou-o a grande soprano italiana Adelina Patti, que não quis deixar o país sem passar algumas horas naquele ambiente autêntico onde nasceu uma das primeiras milongas.
Após a morte de Hansen, em 1892, teve vários proprietários, sendo o primeiro Enrique Lamarque, até que, no final de 1903, a concessão do local foi outorgada a outro imigrante: desta vez foi o lombardo Anselmo R. Tarana. A partir desse momento, "Lo de Hansen" passou a chamar-se "Restaurante Recreo Palermo. Antiguo Hansen" ou também "El café Tarana".
Tarana tinha cinco carros nos quais os clientes eram transportados gratuitamente de e para as suas casas (se beber, não conduza).
A questão de saber se o tango foi ou não dançado em "Lo de Hansen" é bastante controversa.
Félix Lima, num artigo da revista "Caras y Caretas", escreve: "Sifões, copos, garrafas e cadeiras eram frequentemente rebentados. Por vezes, tiros e facadas. Mais de um taita passou para o outro mundo a partir do palco dos Hansen, numa viagem direta, 'senza tocare', para o hospital". ... "Era proibido dançar, mas nas traseiras da casa dos Hansen, na zona das rotundas, havia bons tangueábase, tangos sonolentos, contrabandeados. ... " 'La Morocha', o tango de Saborido, era tocado de roda em roda, estava no auge da sua popularidade. A orquestra da noite era um alinhamento. Pas' de bandoneón. O fole ainda não tinha feito sentir a sua presença em público. Os tangos de Bassi e Villoldo - El Incendio e El Choclo - abrem-se. Unión Cívica', o melhor tango do compositor Santa Cruz, também estava na moda...". Estamos a referir-nos à época de ouro dos Hansen, de 1903 a 1908.
Alfredo Taullard no seu livro "Nuestro Antiguo Buenos Aires" (Peuser, 1927) descreve-o: "O Hansen tinha o aspeto de um snack-bar andaluz e de uma cervejaria alemã. A vários quarteirões de distância, à meia-noite, a sua localização podia ser descoberta pelas linhas de luzes das lanternas das carruagens e das lanternas coloridas que iluminavam as rotundas. Nestes gazebos, jantava-se entre risos e farândolas e, no grande pátio, os clientes bebiam sob um frondoso teto de glicínias e madressilvas perfumadas. A orquestra tocava milongas, polcas e valsas.
Por outro lado, o "cajetilla" Adolfo Bioy (pai) em "Antes del 900 (Relatos)" expressa "... ali se dançava tango, antes que esta dança se tornasse moda nos salões da cidade, ali íamos de vez em quando para realizar nossas qualidades de caveiras, correndo o risco de incidentes com os malevos que pululavam naquele antro".
Leonardo Benarós conta-nos que Roberto Firpo costumava dizer: "Joguei no Hansen's em 1908. Há quem diga que as pessoas dançaram. Isso é mentira. Tocava-se para ouvir, embora talvez, um ou outro, talvez, desse umas voltas num miradouro escondido", mas também conta que a 16 de dezembro de 1961 entrevistou Felipe Amadeo Lastra, um velho criador de cavalos crioulos, já octogenário, que insistiu com veemência que "não se dançava no Hansen's. Onde é que se ia dançar, entre as árvores?
Miguel Ángel Scenna, conta que Lastra, disse que "o Hansen's, durante o dia e até às onze da noite, era um restaurante tranquilo, mas que, a partir dessa hora, começaram a chegar os passeantes noturnos. Se chovia, não havia Hansen's. No pátio, havia inúmeras mesas de mármore, de forma retangular e com uma base de ferro, pelo que eram bastante pesadas e difíceis de deslocar. À sua volta, havia gazebos com treliças pintadas de verde. À hora mencionada, os paroquianos começaram a chegar em carruagens e, mal saíam delas, eram cercados por polícias fardados e um grande número de investigadores, caso contrário, todas as noites, o local ter-se-ia transformado num campo de Agramante. A multidão era composta por "compadritos" e "gaviones". Há também "bons rapazes" e alguns comerciantes com o fervor dos foliões, bem como criadores de gado que tiram umas pequenas férias. Nunca lá vimos Jorge Newbery, que era um desportista. Não se dança ali. É proibido, como em todos os locais públicos.
Inacreditável mas real
O famoso compositor Ángel Villoldo, criador de êxitos como "La morocha" e a música para "El choclo", estreou "El Esquinazo" no Hansen. Todas as noites, quando esta peça era tocada, o público batia palmas ao ritmo. O entusiasmo foi crescendo e aos aplausos juntou-se um ligeiro bater nas mesas. Depois, batiam com os pés no chão. O público aumentou a temperatura com esta milonga e pediu bis: foi tocada sete vezes na mesma noite. A batida rítmica que acompanhava o "tango diabólico", como o definiu Pintín Castellanos, pianista e compositor uruguaio, cresceu ao ponto de copos, chávenas e até cadeiras voarem pelo local. Tarana, cansada de tantos estragos, mandou colocar um cartaz que dizia: "É estritamente proibida a execução do tango El esquinazo. Pede-se prudência a este respeito".
Em 1908, o negócio foi transferido para a empresa Payot e Giardino, que o geriu até 1912, o mesmo ano da presidência da câmara de Joaquín S de Anchorena, altura em que o café foi encerrado e demolido. Assim terminou o "Hansen's" e com ele uma época e um modo de vida que nunca mais voltará.
Em 1937, o compositor de tango e realizador de cinema Manuel Romero apresentou o filme "Los muchachos de antes no usaban gomina", com o inesquecível ator Florencio Parravicini (como Ponce), onde as cenas se passam em grande parte em "Lo de Hansen". Ele também compôs o tango "Tiempos Viejos", com música de Francisco Canaro (1926), que diz:
Lembra-se, irmão, da loira Mireya
que eu tirei o bonito Rivera do Hansen's?
Quase me matei uma noite por causa dela,
e hoje é uma pobre mendiga esfarrapada...!
Lembra-se, irmão, de como ela era bonita?
Formou-se uma roda para a ver dançar!
Na rua, vejo-a tão velha,
Viro a cara para o outro lado e começo a chorar...
Não é certo que a loira Mireya tenha existido, mas não há dúvida de que encarnava as mulheres que iam aos Hansen's para se encontrarem com os homens, todas bem vestidas e com jóias caras.
O "chupping-house" de Palermo, como o definiu o jornalista Félix Lima, acompanhou o crescimento inicial do parque Tres de Febrero como um lugar de recreação para os portenhos, tornando-se um marco na história de Buenos Aires.
Compilação de textos e imagens: El arcón de la historia; La Nación; ultimatanda.it; Historia del tango; cafecontado.com; acciontv.com.ar