ZWI MIGDAL, a rede de tráfico do início dos anos 1900
Os proxenetas, que se autodenominavam Club de los 40 y, no início do século XX, fundaram em Avellaneda a Sociedad Israelita de Socorros Mutuos Varsovia, uma fachada para as suas actividades ilícitas, uma vez que só nessa cidade da região metropolitana de Buenos Aires lhe foi atribuída personalidade jurídica.
Com a conivência das autoridades e da polícia, a quem subornavam, os rufiões polacos tornaram-se fortes. Obrigados a mudar o nome da sua associação devido à má reputação que dava ao seu país, passaram a designá-la por Zwi Migdal, que, após a Primeira Guerra Mundial, contava com mais de 400 membros. Embora as fontes divirjam, controlavam cerca de 2.000 bordéis, através dos quais centenas e centenas de jovens mulheres eram recrutadas nas aldeias do seu país com promessas de trabalho ou, como falsas noivas e noivos, de casamento.
O seu primeiro presidente, Noah Trauman, chegou ao país em 1890. Tinha 24 anos e, embora fosse polaco, tinha um passaporte russo porque toda a região estava sob o domínio czarista. A única fotografia que se conhece dele foi tirada pela polícia quatro anos mais tarde, quando foi registado como "proxeneta", nome dado àqueles que facilitavam o comércio sexual.
Antes da viragem do século, Trauman já tinha o seu próprio bordel e conhecia as esquadras de Buenos Aires por ter sido preso em várias brigas de rua. Eram tempos em que as diferenças entre grupos antagónicos ainda se resolviam à pancada. Uma dessas brigas foi registada pela imprensa de Buenos Aires em 1897. Cerca de 50 pessoas, incluindo rufiões, as suas mulheres e as madames das lojas, enfrentaram-se com punhos e paus na esquina de Corrientes e Talcahuano. Entre os envolvidos havia russos, polacos, romenos e meia dúzia de outras nacionalidades, mas o fator comum, para além da atividade, era a religião. Eram todos judeus.
A Mútua tinha um cemitério na localidade de Avellaneda, prestava alguns serviços de saúde, oferecia outros benefícios e organizava algumas actividades sociais, tal como muitas das entidades comunitárias estabelecidas no país. Para além disso, dispunha de uma grande sede na Avenida Córdoba 3280, com 620 metros quadrados cobertos em dois pisos, com aquecimento e todo o equipamento moderno para a época, onde funcionava um templo. Era sobretudo uma fachada para centenas de rufiões se reunirem e montarem a sua rede de exploração. As raparigas, as que tinham sido enganadas e as que sabiam ao que vinham, não podiam imaginar o que iriam passar.
As condições de vida eram deploráveis. Eram escravas sexuais. Exploradas, sem cuidados, dedicavam toda a sua existência a servir sexualmente os clientes que frequentavam os bordéis.
O epicentro foi em Lavalle e Junín, no bairro de Once. Aí os habitantes multiplicaram-se.
Em 1862, a desordem estalou nos bordéis, onde foram presos, entre outros, Bartolomé Mitre Vedia - filho do presidente da nação - e Dominguito, filho adotivo de Sarmiento.
O facto de a história e a (má) reputação do Zwi Migdal terem sobrevivido ao teste do tempo não tem apenas a ver com a extensão das suas actividades. Apesar de ser uma associação criminosa enorme e estabelecida, o Zwi Migdal não era o único nem o mais poderoso dos sindicatos do tráfico. O impacto mediático da sua queda, as lendas que se foram tecendo ao longo do tempo e a dose de antissemitismo sempre presente na sociedade fizeram o resto.
O estigma impregnou o imaginário popular: os judeus polacos que chegaram a Buenos Aires a partir de finais do século XIX prostituíam as suas próprias compatriotas. O mesmo faziam os franceses, italianos e espanhóis, embora o antissemitismo amplificasse as práticas desprezíveis da máfia judaica.
Também não ajudou o silêncio posterior da própria coletividade, que rotulou os seus criminosos de impuros. Na verdade, o facto de serem denunciados e evitados distinguia esta comunidade das outras - que incluíam os seus concidadãos - mesmo que esse passado obscuro se tornasse mais tarde um tabu, devido ao receio de que a sombra das actividades criminosas de alguns indesejáveis se abatesse sobre todos.
Quando foram expulsos, os rufiões abriram uma sinagoga e um cemitério, pois tinham sido proibidos de serem enterrados no cemitério hebraico. Gerardo Bra argumenta no seu livro La organización negra (1982) que, embora a exclusão dos impuros tenha sido um ato de honestidade por parte da coletividade judaica, tê-los-ia fortalecido, uma vez que decidiram unir-se e organizar-se, tese refutada por outros historiadores.
Uma mulher escreveu uma carta à associação contra o tráfico e a exploração sexual Ezrat Nashim: "Eu estava numa das casas Migdal. O meu corpo era oferecido a quem fizesse a melhor oferta. Todas as mulheres que começavam na vida eram procuradas. E eu era. Durante anos, porém, as denúncias caíram em saco roto devido à corrupção policial. Os tentáculos dos polacos, uma máfia que surgiu como uma sociedade de entreajuda para se protegerem mutuamente, chegaram àqueles que estavam encarregados de zelar pelo público, e era necessário um comissário incorruptível e um juiz que pusesse os criminosos no banco dos réus.
A oposição foi feita apenas por instituições e entidades judaicas, como a Ezrat Nashim, embora sua atuação tenha sido questionada. Débora Aymbinderow argumenta que elas tinham uma "atitude paternalista e moralista em relação aos imigrantes, devido às diferenças de classe e de país de origem entre eles e os filantropos", de modo que intervinham na vida privada deles, mesmo quando não havia indícios de que a mulher corria o risco de ser explorada. A prevenção, entendiam eles, significava que deviam casar com um judeu e encontrar um "trabalho honesto".
Por outro lado, a luta do coletivo conseguiu dar visibilidade ao problema, embora "paradoxalmente tenha sido utilizada para reforçar a estigmatização dos judeus". Assim, Pedro Katz, diretor de Di Presse, declarou ao jornal Crítica que a comunidade judaica argentina lutava há quatro décadas para "destruir e aniquilar os componentes repugnantes da tenebrosa sociedade Migdal", que descreveu como um "bando de traficantes".
Por isso, em 1906, lançou uma campanha para os eliminar, mas admite que só conseguiu expulsá-los. "Ninguém os repudia tanto ou os combate mais do que a comunidade israelita", conclui Katz, esclarecendo que todas as comunidades tinham as suas redes de tráfico, mas a comunidade judaica era a única que renunciava aos seus proxenetas.
Seja como for, o esquema dos proxenetas - conhecidos como cafishos - iria deparar-se com uma mulher que lhes faria frente. Raquel Liberman denunciou Zwi Migdal por a ter obrigado a prostituir-se, o que desencadeou uma investigação por parte do comissário Julio Alsogaray. Raquel e a sua história já foram abordadas nesta página.
Na sequência das suas investigações, o juiz Manuel Rodríguez Ocampo prendeu 108 membros por associação ilícita, mas em breve seriam libertados por falta de provas, com exceção de três deles. Outros 334 fugiram à justiça, tendo sido emitido um mandado de captura internacional. O mandado não teve grande utilidade, embora a organização tenha acabado por ser dissolvida.
Nora Glickman, no livro The Jewish White Slave Trade and the Untold Story of Raquel Liberman (2000), relata que a invasão do quartel-general da máfia polaca e o encerramento de dezenas de bordéis ocorreu em 1930, após o golpe de Estado do tenente-general José Félix Uriburu. A operação ganhou as primeiras páginas dos jornais e, como resultado da sua "ação corajosa", foram publicadas listas detalhadas com os nomes dos traficantes e das madames.
O cemitério dos impuros de Avellaneda é uma raridade raramente vista em qualquer outra parte do mundo e o primeiro cemitério judeu de Buenos Aires, atualmente administrado pela Asociación Comunidad Israelita Latina e selado, para evitar que seja visto e rotulado como prova viva da exploração humana.
Em 1907, sob a presidência de Trauman, o Zwi Migdal comprou um novo terreno em frente ao cemitério municipal de Avellaneda. Esta zona, ainda de pé, deu origem a várias lendas urbanas. Se estes homens e as suas mulheres se caracterizaram em vida por ostentarem o seu poder económico com uma exibição quase obscena de jóias, peles e perfumes importados, no momento da sua morte, os rufiões decidiram alterar a tradição milenar de moderação e uniformidade dos enterros judeus, com a colocação de monumentos funerários caros e grandiloquentes.
A superfície do sítio sugere que teria albergado nada menos que 700 sepulturas. Os registos originais, embora incompletos, falam dos proprietários de casas de prostituição, das suas mulheres e das madames dos seus estabelecimentos, mas também de crianças, jovens estudantes e trabalhadores independentes. Apenas algumas das mulheres exploradas foram aí enterradas. Dos milhares de jovens mulheres que, enganadas ou expulsas pela miséria na Europa, acabaram nos bordéis de Buenos Aires, não resta qualquer vestígio. Desapareceram para sempre depois de terem sido traficadas, usadas e descartadas.
Como em qualquer história, levantam-se lendas, hipóteses, fantasmas, memórias macabras, por um lado, e românticas, por outro. Supostas teorias da conspiração que não deixam de lado a subjugação das pobres mulheres recém-chegadas, a tentativa de esconder essas mesmas memórias que, esperamos, um dia possam ser esclarecidas em benefício da história e da reivindicação das pobres migrantes, enganadas, abusadas, discriminadas e exploradas. Honrar a memória de todas as mulheres vítimas de violência sexual não é apenas um compromisso piedoso, é uma abordagem que não pode ser adiada hoje, a fim de aprender mais sobre a nossa história e pôr fim às redes de tráfico que, até hoje, continuam a operar com as mesmas práticas.
Compilação de textos de: El arcón de la historia; Nora Glickman, "The Jewish White Slave Trade and the Untold Story of Raquel Liberman (2000)"; José Luis Scarsi, "Tmeiim: los judíos impuros"; Todo es historia.