Palácio dos Bichos: história de um amor, uma tragédia e uma festa fantasmagórica
Quero fazer a ressalva de que no livro "Historia de los barrios de Buenos Aires", do historiador Vicente Cutolo, há outra versão do jornalista José César Rodríguez Nanni a respeito dessa lenda: o magnata italiano nunca existiu, nem os namorados , nem o fantasma, todos personagens de uma lenda urbana, mas a casa foi construída com um propósito "profano". Em outras palavras, funcionaria ali um bordel para gente rica; projeto que despertou a ira dos moradores da época, que com certeza estavam moldando a lenda para espantar os interessados.
Agora vamos para a legenda em questão:
Na área de casas baixas do bairro Villa de Parque surge um casarão de cinco andares com cúpula no topo do prédio; o castelo é conhecido como o Palácio dos Insetos e guarda uma rica história de amor, tragédia e mistério. Está localizado na Calle Campana 3220.
A lenda deste palácio é conhecida pelos moradores do bairro, sua presença imponente desperta curiosidade em quem não é da região e por ali passa. Não há vizinho que queira tirar as dúvidas dos transeuntes que querem saber detalhes do prédio.
O castelo foi batizado como "Palácio dos Insetos”, pois em suas origens a construção era decorada por gárgulas em formas de bichos e insetos. Para conhecer a lendária história do lugar temos que recuar até o final do século XIX.
Naqueles anos, um italiano rico chamado Rafael Giordano, descendente do famoso pintor Giordano, que morava em Salerno, e sua esposa Vittoria D'Olvilli decidiram embarcar na aventura de fincar raízes na distante América.
Nesta viagem eles levam sua filhinha Lucía e decidem ir para a Argentina. Os Giordanos tinham uma posição econômica confortável e, depois de percorrer várias áreas da cidade de Buenos Aires, decidiram se instalar em uma área de fazendas a oeste do centro porque os lembrava de sua cidade natal; anos mais tarde essa área será chamada de Villa del Parque.
Giordano começou a fazer negócios e aumentar sua fortuna. Ele imediatamente pertenceu à alta sociedade portenha de seu tempo, podia ser visto no clube do progresso ou no luxuoso Plaza Hotel tomando café e cerveja com seus amigos.
Rafael, Vittoria e Lucia Giordano viviam felizes naquela zona de moradias. A filha deles estudou numa escola em Monserrat e sempre teve excelentes notas entre o primário e o secundário, era o orgulho do pai.
Lucía cresceu e seu pai a incentivou a fazer um diploma universitário, ela decidiu estudar medicina. Naquela época, ser médico era um futuro garantido. Alguns anos se passaram e ele percebeu que sua vocação estava longe da medicina e se interessou pela música, principalmente pelo piano. Embora o pai tenha renegado essa decisão, pois tinha muitos sonhos de ter uma filha médica, foi a esposa quem o convenceu de que a carreira não era para a filha e que a música iria se desenvolver plenamente.
Lucía abandonou a universidade e foi para o conservatório de música estudar piano. Como esperado, ela foi uma excelente aluna e aprendeu rapidamente a tocar o instrumento. Quem a conheceu gostou das melodias que ela tocou com muita paixão.
No conservatório Lucía conheceu um jovem que estudava violino e seria o grande amor de sua vida e o protagonista da tragédia desta história. Chama-se Ángel Lemos, com apenas 22 anos de formado farmacêutico, quis dedicar-se à sua outra paixão, o violino.
Ángel Lemos vem de uma família do centro da cidade de Buenos Aires, seu pai era diretor de um importante armazém geral na época. Ele era natural de San Telmo, mas as distâncias não foram um obstáculo para que os jovens se unissem no amor.
Essa relação foi rapidamente aprovada por Giordano, e com o tempo, as famílias Giordano e Lemos forjaram uma bela amizade através do namoro de seus filhos. Lucía era filha única, mas Ángel tinha mais seis irmãos, por isso o casal queria -no futuro- formar uma família prolífica, ela porque não tinha irmãos e ele porque gostava de famílias grandes como a dele.
Quando o casal avisa Rafael sobre a decisão de se casar, ele avisa que vai construir um casarão perto de sua casa como presente de casamento para eles morarem.
Assim, confiei ao arquiteto Muñoz González a construção de um distinto palácio que pode ser visto por todos os moradores do local. A mansão de cinco andares com varandas foi concluída antes do casamento. Por isso, Rafael decidiu celebrá-la na mesma mansão.
A data escolhida foi 1º de abril de 1911, naquela noite de outono a temperatura estava agradável e não havia ameaça de chuva, então a festa foi agradável e divertida. Carros luxuosos da época chegavam pela estrada de terra e um motorista com roupas diferenciadas e elegantes abria o portão para os convidados entrarem na recepção do casamento.
Doña Vittoria cuidou dos detalhes da festa, havia músicos que sempre animavam a festa, bebidas e canapés não podiam faltar, alguns diziam que era um dos eventos sociais mais importantes do ano.
O casal estava muito feliz, tinham muitos projetos juntos, ela para constituir uma nova família e ele para iniciar negócios farmacêuticos com o capital que lhe foi dado pela família. Todos gostavam daquele romance que às vezes era invejado por alguns.
Por volta das cinco da manhã a festa estava para acabar, o carro que os levaria ao centro os esperava do outro lado dos trilhos do trem que ficava a apenas trinta metros do casarão.
Diz-se que o motorista os esperava naquele local porque na rua de terra onde fica a mansão os trilhos foram elevados e a rua que tem a estrada no nível da pista - por onde os carros normalmente passam - foi alagada por fortes chuvas. nos dias anteriores. Os carros daquela época tinham pneus muito estreitos e frágeis e passar pelas pistas elevadas podia danificar as rodas, por isso estimava-se que era mais fácil para o casal atravessar as pistas do que o carro percorrer quilômetros para encontrar uma passagem de nível .
Essa decisão seria o clímax para a história do palácio dos insetos. Naquela noite, era um quarto minguante, então não havia lua para iluminar o local, as românticas luzes da rua eram feitas de velas porque ainda não havia iluminação pública elétrica, por isso não havia muita visão.
Os convidados saíram para as sacadas do palácio para cumprimentar o casal que estava na rua indo para o carro do outro lado dos trilhos. Entre os que cumprimentaram estavam os pais dos noivos.
Enquanto o casal se cumprimentava, o trem do Sul para o Pacífico seguia em direção à estação Retiro. Apesar da estação ser próxima, o trem era de carga e não parou até a estação central. A iluminação era fraca porque aquelas carruagens não tinham luz forte.
No momento em que os noivos atravessavam os trilhos cumprimentando os convidados, o trem se chocou contra eles, deixando seus restos mortais espalhados a cem metros do local. Os convidados assistiram a tragédia atônitos, os porteiros e garçons que estavam na saída correram para onde estavam as vítimas, mas nada pôde ser feito, os dois namorados morreram na hora.
O trem não parou e o maquinista soube do acidente na estação Retiro quando as autoridades foram procurá-lo e informaram o ocorrido. O ferroviário alegou que a máquina era tão barulhenta e havia tão pouca luz na área que ele nunca conseguiu perceber a presença das vítimas e o impacto.
Rafael Giordano e sua esposa caíram em profunda depressão, pois o dia mais feliz de sua vida se transformou no segundo pior dia de sua vida. Sua única filha e seu genro morreram em seu próprio casamento.
Os jornais da época não trazem a crônica do ocorrido porque Giordano não quis que fossem contados detalhes do acidente, sua dor era tão particular que não quis compartilhá-la com ninguém. É por isso que ele decidiu voltar para sua terra natal, Salerno, para nunca mais voltar, levando consigo os corpos de sua filha e genro para enterrá-los no cemitério local.
Ele sentiu tanto desprezo pela mansão onde viu sua filha morrer que decidiu murá-la e não vendê-la para que ninguém mais morasse nela. Esse casamento foi o único evento em que o palácio brilhou em todo o seu esplendor.
O tempo foi passando e a área onde se localizava o palácio foi sendo loteada e casas foram sendo construídas ao seu redor. Por volta de meados dos anos 20, um fato peculiar aconteceu naquele bairro. Num dia de outono, um vizinho queixou-se a outro por ter feito uma festa com música alta até tarde da noite, quando este lhe disse que não tinha sido ele, a recriminação foi dirigida a outro vizinho e ele recebeu a mesma resposta. Depois que todos os vizinhos foram investigados, a conclusão foi que ninguém deu a festa ou alguém estava mentindo.
Exatamente um ano depois, um dos vizinhos levanta-se abruptamente da cama porque vinha da rua um som alto que o impedia de dormir até tarde da noite. Avisado de que quem está dando a festa pode negar, ele decide sair para localizar o local de tanto barulho. Outros vizinhos tomam a mesma decisão.
Procuram a casa de onde vem a festa e não encontram nenhum vizinho comemorando. Eles focam seus olhos no único lugar abandonado: O Palácio dos Bichos. Para a surpresa de todos, a música vinha daquele local, e algumas silhuetas de pessoas dançando lá dentro podiam ser vistas.
O trem do Sul para o Pacífico continuou com o mesmo roteiro que fazia naquele dia da fatídica viagem. No momento em que a ferrovia passa ao mesmo tempo que ocorreu a tragédia anos atrás, a música para abruptamente e as figuras que foram observadas em movimento desaparecem no mesmo instante.
Este foi o início de vários eventos fantasmagóricos que ocorreriam ao longo do tempo. Houve relatos de gritos assustados de uma mulher e barulhos no palácio, além de espectros que atravessavam as paredes. Outra maldição se soma a essa história, pois o desejo de Rafael Giordano de que os detalhes da morte de sua filha e genro não fossem conhecidos era tão forte que aqueles que investigaram e escreveram sobre o evento sofreram estranhas doenças ou percalços que não permitir que ele continue com o trabalho.
Na década de noventa, o edifício foi reciclado e as gárgulas características que deram o nome ao palácio foram removidas. Hoje existe um edifício para casas particulares e um grande spa no térreo.
O Palacio de los Bichos conta uma história tão forte do bairro que sua figura está estampada no escudo oficial. Assim passam os anos e a lenda se mantém viva no bairro porque apesar de ser uma história de tragédias e mistérios, ainda é a história de amor de Lúcia e Ángel, uma história de amor do bairro de Villa del Parque.
Esta é mais uma daquelas histórias que tanto nos atraem pelo seu mistério e porque nos deixa sempre com vontade de saber mais, pois, segundo o ditado "se non è vero, è ben trovato" (significa que se o que se conta não é verdade, está bem dito).
Comentários (1)
Gustavo
faz 2 anos
Excelente história. Parabéns, sou Gustavo de V. del Parque e sempre tive curiosidade de descobrir esta estranha construção. Obrigado